Visita de Médico

“As pessoas aqui estão desamparadas, falta-lhes tudo. Sempre quis marcar a diferença, ajudar realmente quem necessita.”

Em mil quilómetros de rio cruzámo-nos apenas com uma enfermeira e um médico que uma vez por ano percorrem toda a extensão do rio.

Este texto é um excerto do livro Sobre|Viver - Amazónia, editado pela Nomad.

Em Puerto Cavinas vive um homem com uma missão, um forasteiro amado pelos que nasceram nas margens do rio, um benemérito que acredita ser capaz de transformar a realidade destas comunidades num mundo melhor. 

Ricardo Gomez, natural de La Paz, formou-se em Medicina na cidade que o viu crescer. Durante uma viagem, nos seus anos de estudante, descobriu uma região completamente negligenciada, onde a falta de cuidados médicos básicos era gritante. “Várias pessoas morriam com uma simples gripe. Populações inteiras desconheciam o conceito de vacina”, recorda. 

Ricardo continuou os estudos, formou-se, trabalhou durante dois anos num hospital de La Paz, mas o apelo humanitário continuava a crescer dentro de si até que em 2007 decidiu mudar-se para o Beni. “As gentes da cidade não têm amor por esta região. As pessoas aqui estão desamparadas. Sempre quis marcar a diferença, ajudar realmente quem necessita”.

Há sete anos no Beni, Ricardo já se habituou às contrariedades da selva. Conta com a boa vontade dos vizinhos que todos os dias o alimentam. “Ajudam-me muito. Todos os dias como peixe fresco do rio ou carne de um dos animais sacrificados por uma família. Muitas vezes janto em casa de alguém. Tratam-me como se fosse um deles. Estou-lhes agradecido para a eternidade”. Apesar dos esforços, o Dr. Ricardo – como é conhecido no Beni – continua a ser o único médico na região. 

Ao seu Centro de Saúde chegam pacientes que habitam a centenas de quilómetros e, muitas vezes, é o próprio que se desloca a cavalo ou de barco às comunidades mais isoladas. Confessa que o desgaste é enorme, mas o entusiasmo com que fala do seu trabalho revela o oposto. “Quando cheguei, o Centro de Saúde era muito pequeno, as condições de trabalho eram horríveis, não havia medicamentos. Durante anos fiz vários projetos de angariação de fundos e hoje orgulhamo-nos muito deste cantinho”.

Um bebé febril interrompe o choro por segundos, dando à mãe um precioso momento de descanso. Segundo ela, a febre não desce há vários dias, e nada mais lhe resta fazer senão acarinhá-lo. Noutra aldeia, Marcos, ficou em casa por estar com uma forte enxaqueca, que procura curar com um lenço cheio de folhas de coca apertado à volta da cabeça. No Beni é a medicina alternativa que impera. Muitas pessoas, sobretudo crianças, não sobrevivem a simples infeções ou gripes.

A malária e a desnutrição infantil são problemas gravíssimos que assolam as comunidades do Beni. Mas a falta de água potável é o grande drama destas pessoas. “Todas as semanas surgem novos casos de pessoas desidratadas, com diarreia, disenteria ou dificuldades respiratórias, devido à água contaminada que bebem. É preocupante”, explica Ricardo. É por isso que a sua principal missão passa por prevenir e sensibilizar. “Três vezes por ano junto-me a uma brigada médica constituída por um motorista, um dentista, um enfermeiro e um médico. Durante duas semanas visitamos todas as comunidades do rio para vacinar e sensibilizar as populações”. 

Longe do conforto em que cresceu, Ricardo Gomez não se vê como um herói, pelo contrário: “Sou um privilegiado. Aqui sinto-me útil, as pessoas são generosas e a Natureza é incrível. Viver na selva é uma dádiva de Deus”. 

Ficha Técnica

Texto Eduardo Madeira
Fotos António Luís Campos
Multimédia Tiago Costa
Edição On-line Marta Macedo

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disponível no site do Manifesto
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Livro "Sobre|Viver Amazónia"

Serpenteando a selva amazónica boliviana, na fronteira com o Brasil, com cerca de 1200 quilómetros de extensão, o rio Beni é uma das regiões mais inóspitas do continente. Ausentes do mapa geopolítico do mundo, longe de cuidados médicos básicos, dependentes das suas colheitas, as comunidades do Beni lutam todos os dias pela sua sobrevivência.

Impelidos pelo imaginário da aventura, os líderes Nomad Tiago, António e Eduardo embarcaram numa jornada de mil quilómetros pela águas do rio Beni. Pelo caminho, cruzaram-se com pessoas que vivem em comunhão com a selva, sem eletricidade, telefone ou água canalizada. Comunidades onde a moeda não tem valor e todos trabalham para o bem comum.

O livro “Sobre|Viver” conta as estórias destas gentes – pessoas normais a viver em condições extraordinárias.