Uma primavera atípica na Mongólia

Uma crónica de Bernardo Conde, que relata uma jornada épica na Mongólia, marcada pela fúria e imprevisibilidade do clima.

Estávamos em Maio, nos dias que antecediam mais uma viagem pela Mongólia. Como líder Nomad, este destino faz parte da minha rotina de viagens há um par de anos, mas a ideia de viver as experiências que este lugar proporciona, com um novo grupo, é sempre estimulante. Apesar do entusiasmo, nada me podia preparar para as peripécias que esta viagem me reservava.

Saí de Portugal com a expectativa de uma edição de primavera, com as características habituais desta época. Mas, a imprevisibilidade climatérica decidiu fazer das suas: em dezoito dias de viagem, experienciámos quatro nevões, uma tempestade de areia, e dias de sol que nos proporcionaram momentos inesquecíveis. Aproximámo-nos, duma forma extrema e intensa, daquilo que é a dura vida das famílias nómadas mongóis.

Em pleno deserto e no meio da intempérie, os gers familiares onde pernoitámos revelaram-se extremamente eficazes, quer como abrigo em tempo de neve, quer em situações em que a ventania furiosa tudo queria levar à frente. Refugiados no ger, acendemos a salamandra com um pouco de bosta seca, e em menos de dez minutos a temperatura transportou-nos para os trópicos. Dembee, a nossa anfitriã, abriu a porta e, com um termo de água quente entre as mãos, trouxe-nos o conforto de um chá e de um sorriso hospitaleiro no rosto. Quinze minutos depois, chegou-nos o jantar, preparado pelas mãos calejadas de Dembee: uns noodles caseiros, com um aspeto semelhante ao de um tagliatelle rústico, servidos com carne seca de borrego. A refeição quente contribuiu para nos confortar o espírito. Lá fora, as ovelhas e as cabras já haviam sido recolhidas, antes que se perdessem no turbilhão de neve que teimava em não dar tréguas.

Depois de nos despedirmos da família nómada que nos acolheu, arrancámos para mais um dia de viagem. Cruzámos um deserto coberto por um infindável manto branco e observámos cavalos, camelos, cabras e ovelhas em busca de sustento, no meio da neve. Aproveitámos a escuridão da noite para sair para ver as estrelas, num dos lugares geologicamente mais bonitos do mundo: as esculturais formações rochosas de Tsaagan Suvarga.

Com o passar dos dias, fomos brindados por vários momentos especiais que contribuíram para valorizar a nossa jornada. Exemplo disso foram os encontros com xamãs, tsatans e monges budistas, em mosteiros com um ambiente místico, entre mantras que ecoam como ladainhas.

Mais tarde, no meio de um dia imensamente cinzento, deparámo-nos com um pôr do sol épico, junto ao icónico lago Khovsgol. Vimos o céu incendiar-se, ao som de cisnes bravos, patos, mergulhões e guinchos, em alvoroço com a chegada época de acasalamento. Um cenário de cortar a respiração.

O relato desta jornada justificaria longas linhas, dignas de um livro. Numa viagem que já por si é rica em momentos gloriosos e paisagens absolutamente avassaladoras, a adversidade e a instabilidade do tempo que marcaram esta edição elevaram toda a experiência a um patamar epopeico, que jamais esquecerei.

Ficha Técnica

Texto e Fotos Bernardo Conde
Edição Marta Macedo