No coração da Transilvânia

A conservação do meio natural na Roménia

Entre mitos e lendas, a Transilvânia alberga hoje um dos tesouros naturais mais bem conservados do velho continente. A sua preservação tornou-se possível devido a um processo de renaturalização que, através da manipulação humana do território, conseguiu devolver a vida selvagem às suas florestas.

O processo de conservação compreendeu a reparação de ecossistemas degradados e a restauração das paisagens naturais. Para isso foram removidas barragens, libertados rios e re-introduzidas espécies como o bisonte-europeu e o urso-pardo, animais que abandonaram as florestas da Roménia há décadas atrás.

Este esforço pela proteção da biodiversidade é visível quando viajamos até à Roménia. Nas suas florestas é possível sentir o peso da vida selvagem e a beleza da natureza no seu estado mais natural. Um ambiente que nos recorda daquilo que a Europa já foi, e que nos inspira a torná-la mais viva.

"Roménia, Maio de 1998. Numa época em que o legado comunista de meio século ainda se encontrava bem vincado nos seus rostos e ruas, este país entrava na minha vida. O encanto que guardo dessa primeira viagem, e das muitas que se lhe seguiram, permaneceu, deixando em mim o desejo de querer voltar.

Duas décadas passadas, estavam reunidos os ingredientes para regressar a este território tão especial. A montanha calcária, para lá dos 2000 metros de altitude, erguia-se nas minhas costas. A brisa agitava os ramos dos enormes abetos que atapetavam o vale - reflexo da extensa área florestada da Roménia e da enorme diversidade de fauna e flora que ela abriga. Lá poderemos encontrar quase todos os grandes mamíferos europeus: linces, veados, lobos, bisontes e a segunda maior população de ursos pardos do continente, calculada em mais de 6000 especimens e em crescendo.

Descendo da cumeada de Piatra Craiului, no coração da Transilvânia, avançava a sós pelo pequeno trilho, em direcção ao refúgio de madeira. Num instante, todo o meu corpo se transformou: duma profunda tranquilidade, passara ao alerta total. 

À minha frente, a não mais de 30 metros, uma atarracada silhueta, castanha, fitava-me. No trilho estreito, um enorme urso pardo! Em conversas de café e nos painéis dos parques, havia escutado e lido muitas histórias e avisos sobre eles. Todos diziam que os encontros na montanha eram raríssimos, que seria uma tremenda sorte avistar um, dado estes seres furtivos raramente se deixarem ver. Ainda assim, naquele momento de incredulidade, num misto de deslumbramento e pavor, inspirei fundo duas vezes, passando em revista toda a teoria dos procedimentos a adoptar em caso de encontro com o magnífico gigante, um dos maiores mamíferos da Europa Central. 

Mas ele não esboçou sequer incómodo. Elevou o focinho no ar, cheirou-me, e inflectiu caminho encosta acima, revirando pedras e musgo, em busca de comida. Na verdade, eu sabia que eles preferem bagas e frutos, e que, apesar de haver cada vez mais ursos nas cidades da Roménia, os ataques a humanos são extremamente raros. Após alguns minutos de êxtase, afastei-me, tentando recuperar o fôlego. 

A Roménia é um país vasto, com regiões remotas em que a relação Homem-Natureza ainda obedece a um ritmo e forma a que já não estamos habituados. Subir a um pico e sentirmo-nos rodeados de florestas a perder de vista, é algo cada vez mais raro no Velho Continente. E esta, sem dúvida, ficará para sempre como uma das mais intensas experiências de observação de vida selvagem que vivi até hoje. Numa época em que este enorme património natural está sob pressão - com propostas para legalizar a caça ao urso - a conservação da natureza torna-se urgente e relembra-nos do que vale a pena preservar." 

António Luís Campos, guia de trekking Nomad

Montanhas da Transilvânia

Com Ruben Antunes
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