Retratos de Kathmandu

Como se as etnias da Ásia desaguassem ali, em Kathmandu a diversidade cultural manifesta-se naturalmente. Envolvida pela imensidão dos Himalaias, a capital do Nepal está a norte da Índia e do Planalto de Terai e a sul da China e do Tibete, uma rosa dos ventos de influências que é visível no rosto dos seus habitantes.

Sob um céu de bandeiras de oração coloridas, o nosso olhar cruza-se com a multidão de culturas, costumes, línguas e religiões que coexistem neste vale. Os rituais de cada um entrelaçam-se, sem atropelos.

Do caleidoscópio de étnias, à aceitação espiritual, as cidades de Kathmandu - Patan e Bhaktapur - outrora os três reinos deste vale, dividem-se entre o budismo e o hinduísmo. Uma dança religiosa que marca os tempos com que é vivida a cidade. Cedo, ao amanhecer, os budistas circundam a stupa de Boudhanath, num murmúrio repetido de Om mani padme hum. Já no palácio de Kumari Ghar, há uma eterna devoção à deusa viva que, na sua inocência de menina, representa a divindade da energia feminina. Um símbolo central da religião Hindu.

Nas ruas, sente-se o cheiro de incenso a queimar. O nosso olhar vagueia entre casas que parecem fragilmente entrelaçadas e veículos motorizados que desafiam a imaginação. De fundo, ouvem-se os sinos que os crentes tocam - símbolo de oferendas. Kathmandu é um manjar para os sentidos e uma cura para a alma.

Entre uma cortina semi-aberta e uma bicicleta empoeirada, encontramos Lobsang Tashi, oriundo de Darjeeling e de etnia Tamang - o maior grupo no Nepal de origem tibeto-birgamesa. Num outro recanto cruzamo-nos com a inocência curiosa do pequeno Suraj Dahal, descendente dos Newar - os primeiros habitantes deste vale entre montanhas. Observador, à janela do carro está Lakpha Sherpa, ele faz do seu nome a sua história, usando com orgulho a descendência dos nómadas dos himalaias que serviram de guias aos primeiros alpinistas da região. Entretanto, vemos Sudesh Dhami, vestido com o traje carmim e amarelo torrado de monge, ele pertence à étnia Lepcha - oriunda de Sikkim, no nordeste da Índia.

Representações singulares de uma cidade que fervilha de vida e que se orgulha de ter mais de 125 grupos étnicos. Esta herança deriva do passado colonial da cidade e teve início no século V, quando as dinastias Lichavi e Malla chegaram ao vale vindas da Índia e se integraram com as tribos da montanha que habitavam o vale. Hoje, esta multiculturalidade é celebrada com a autenticidade de quem encontra nas diferenças riqueza, e não ameaça.

Talvez esteja aqui a singularidade de Kathmandu, na forma como esta capital com pouco mais de um milhão de habitantes absorveu um mundo de culturas, sem nunca perder a sua.

Ficha Técnica

Texto Inês Catarina Pinto
Vídeo Tiago Costa
Fotos Pepe Brix